quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A mistura de géneros: entretenimento e informação

São por demais evidentes as misturas entre géneros que, nos últimos anos, têm invadido a televisão portuguesa, concretamente os canais privados (como a SIC e a TVI), esbatendo fronteiras entre os programas de informação e entretenimento. Não raras vezes, os noticiários dos canais já referidos, promovem em pleno horário nobre e em espaço informativo, os seus programas de entretenimento como Reality Shows, Concursos, Telenovelas, etc. O vídeo que se segue é apenas um de vários exemplos que poderíamos utilizar para descrever esta realidade: 
E nem a própria RTP1, canal de serviço público, escapa a esta onda, como poderemos confirmar no vídeo que se segue:
Os espaços informativos parecem, eles próprios, ter perdido identidade na medida em que deixaram de ter em conta o que é realmente relevante para o público que procuram informar. Assim, parecem agora dar destaque não a notícias, mas a pseudo-notícias de que é exemplo o vídeo que se segue:
Por outro lado, também os próprios programas de entretenimento parecem agora querer entrar no capítulo da informação. Para isso, fazem constantes ligações às redacções noticiosas e contratam jornalistas para "opinarem" sobre notícias. Os programas da manhã como "Você na TV" ou "Companhia das Manhãs" são óptimos exemplos para ilustrar esta problemática.
De facto, parecem ter-se perdido as fronteiras entre informação e entretenimento, estando-se agora a entrar numa nova era televisiva na qual um produto híbrido, para sair de uma mistura, fina diga-se, entre informação e entretenimento. O objectivo? Captar cada vez mais audiências e consequentes contratos publicitários. As consequências? Uma sociedade acrítica, incapaz de distinguir entre informação e entretenimento, realidade e ficção.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Cimeira

A poucos dias do início da Cimeira da NATO em Lisboa, o Projecto Público foi visitar a localidade de Amoreira Cimeira, aldeia do Concelho de Pampilhosa da Serra, Distrito de Coimbra. No interior de Portugal, o PP foi descobrir o que pensam os habitantes sobre a Cimeira, a de Lisboa. 


"Segue por esta estrada e depois há-de encontrar uma placa a dizer Portela do Fôjo. Logo a seguir está a Igreja e a Junta de Freguesia, mesmo à beira da estrada. Corta à esquerda e depois está na Amoreira".  Assim fizemos e sem darmos por isso estávamos a passar junto àquilo a que se pode chamar centro da aldeia, local onde se congregavam algumas pessoas em conversa. Sem sabermos, estávamos a parar junto ao minimercado "do Henrique", jovem presidente da Junta de Freguesia de Portela do Fôjo, a qual agrega a aldeia de Amoreira Cimeira. 

"Da Cimeira da NATO? Sabemos pouco. Só o que ouvimos nas notícias, de que há muita polícia e trânsito" - diz um dos habitantes. O presidente da junta tenta acrescentar algo à conversa dizendo que "vêm os chefes de estado de vários países membros da NATO. Dizem que é uma Cimeira importante para o futuro do planeta". 

E a vossa Cimeira. É importante? Todos riem. 

"Aqui raramente usamos a palavra Cimeira. Só na correspondência para o carteiro distinguir se as cartas que trás são para a parte alta ou baixa da aldeia. Amoreira Cimeira e Amoreira Fundeira". 

Ti Aurélio, o habitante mais
velho da Aldeia de
Amoreira Cimeira
Concorda com a realização da Cimeira em Portugal? Havemos de perguntar mais tarde ao ancião da localidade. 

"Gasta-se muito dinheiro nessas coisas. Em Lisboa deveria poupar-se mais. Quando se puxa demasiado o lençol para tapar a cabeça, os pés quase sempre ficam descalços. Nós aqui temos outros problemas, outras inquietações. Se nos ajudassem a nós em vez dos estrangeiros..." 

Despedimo-nos da pacata aldeia, virando costas a um Portugal distante da Cimeira da NATO. São diferentes as realidades deste país, cujas cidades estão separadas por muito poucos quilómetros, mas por muito diferentes realidades. 

Duas Cimeiras: realidades e problemáticas diferentes.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

"É terça-feira e não cheira nem a coiratos nem a fêveras"

No coração de Lisboa o Projecto Público foi encontrar o mercado de rua mais antigo da cidade tentando perceber como é o dia-a-dia na Feira da Ladra. Um local que daria um verdadeiro estudo histórico-sociológico.
É díspar o cheiro que encontramos ao caminhar pela rua do Arco Grande de Cima, com o Mosteiro de São Vicente do nosso lado direito e vislumbrando já a azafama matinal do Campo de Santa Clara (Link Mapa). É terça-feira e não cheira nem a coiratos nem a fêveras.

"Uns óculos Ray-Ban, jovem? Ficam-lhe mesmo bem! Ora experimente!" Somos assim recebidos quando chegamos à Feira da Ladra. Aquele rapaz munido de óculos de sol e pulseiras do equilíbrio parece ter assumido a função de mordomo, de cicerone. Não que isso seja mau. Não de todo. Quando passamos o Arco do Mosteiro assumimos, aceitamos, que estamos a entrar num mundo diferente, sem paralelo e com precedentes antigos. De facto, as origens da Feira da Ladra remontam ao século XIII o que lhe conferem o estatuto de mercado de rua mais antigo de Lisboa. 
Tudo se vende na Feira da Ladra
Continuamos o nosso caminho e apercebemo-nos que andar pela Feira implica ter uma série de atributos, sendo o primeiro dos quais o equilíbrio (e não, não comprámos uma pulseira ao nosso anfitrião). Os artigos estão expostos ora em bancas, ora no chão, num simples lençol (prático o suficiente para rapidamente evacuar o recinto, evitando problemas de maior com as autoridades), implicando que quem vagueia pelo espaço tenha todo o cuidado do mundo para não pisar qualquer dos artefactos. 

Para além disso, quem vai à Feira da Ladra tem de estar receptivo a receber mais do que aquilo que pretende dar: receberá uma verdadeira lição de história, porque os produtos que se vendem no recinto têm esse imperativo - uma história conexa - são velharias, artigos usados, cuja vida lhes parece ter dado uma segunda oportunidade antes de serem totalmente reciclados.
Perto da Rua da Verónica, a Rua que a subir nos levará até à Graça, situa-se um café no qual fomos encontrar Maria Rosália, vendedora na Feira da Ladra desde os anos 80 ("o ano ao certo não me recordo" - confessa-nos).

PP - Bom dia! Como está a correr hoje?

MR - Esta Feira já teve dias melhores. Quem cá vem ou vem à procura de DVD's e coisas de tecnologia ou então vem só para perguntar os preços.

PP - É por isso que aqui está? Não deveria estar na banca?

MR - Nós aqui temos um acordo. Os vizinhos das bancas olham uns pelos outros. Vamo-nos revezando. Quando eu quero vir ao café tomar qualquer coisinha peço ao Artur dos Milhões que guarde a minha banca e vice-versa.

PP - Disse-nos que está aqui desde os anos 80...acha que o tipo de pessoas que vêm à Feira mudou? 

MR - Então não?! Nos anos 80 esta era uma Feira de referência. Vinha cá gente de Lisboa inteira. Havia bancas de comida, de calçado, de coisas para a casa...

PP - E velharias?

MR - Isso sempre houve. Mas havia outras coisas. Hoje só cá vem quem não tem dinheiro. As coisas já são baratas, já quase não ganhamos para comer, e mesmo assim as pessoas querem sempre mais barato. Olhe, sabe o que lhe digo? Esta Feira há-de morrer ou então cair na mão dos indianos.

PP - Enquanto passeávamos pela Feira encontrámos alguns jovens produtores de cinema, decoradores de montras, etc. Acha que os jovens estão cada vez mais interessados em coisas antigas que não conheceram? Acha que podem ajudar a revitalizar esta Feira?

MR - Não acredito muito nisso. Vêm cá algumas vezes mas não levam grande coisa e pior que isso...trazem pouco dinheiro. 

Despedimo-nos de Maria Rosália porque entretanto o vendedor Artur dos Milhões vem substitui-la no café - parece que alguém quer saber o preço de uma televisão Grundig a preto e branco, trazida por Maria Rosalina para a Feira. "Está a funcionar que é uma maravilha, jovem. É só limpá-la e tem aí televisor que é um espectáculo. Por ser para si faço-lhe isto a 20 euritos". 

Sem dar por isso, o comprador está já a segurar na televisão e a levar para casa um pedaço da história televisiva portuguesa. Maria Rosalina sorri, diz "bem-haja" e guarda o dinheiro na bata preta que sempre a acompanha.

Artur dos Milhões
Estará a Feira da Ladra
adormecida?
Na Feira da Ladra é possível "encontrar de tudo e de todos", confidencia-nos, mais tarde, Artur dos Milhões, assim conhecido devido ao negócio que efectua - numismática. Desde tendas de músicas, bancas de DVD's e jogos de vídeo, roupa (nova e usada), utensílios para a casa e ferramentas, velharias (livros, electrodomésticos, e outros que tais), tudo se mistura numa eterna prodigalidade de produções culturais e históricas humanas. Para além disso, as pessoas que frequentam a Feira são tão diferentes quanto os artigos por lá vendidos: jovens com cultura retro, turistas a contemplar a maravilha, pessoas à procura de pechinchas, idosos que matam o seu tempo a passear pelos intermináveis corredores de bancas, etc. 

Dir-se-ia que na Feira da Ladra se encontra uma verdadeira miscelânea histórica e sociológica, digna de registo pelos mais prestigiados investigadores. Um local que dá gosto visitar, pois de lá saímos sempre com a certeza de ter ficado a conhecer um pouco melhor o mundo em que vivemos. 


Projecto Público
14 de Setembro de 2010

Um Projecto (realmente) Público

Senti esta necessidade. A necessidade inequívoca de, em primeira instância, estar informado e, em segundo lugar, informar. 

Mas informar como? 

Copiando demais notícias, ao minuto? Contar aquilo que já todos sabem?

Parecia-me que isso seria redutor pelo que o objectivo deste Blog passa por contar histórias que me pareçam importantes para que aprofundemos o nosso conhecimento informativo e social, em diversos temas que se assemelhem oportunos. 

Deixando para trás todo e qualquer preconceito ou convicção, ao longo dos próximos tempos, espero brindá-los com notícias, reportagens, ensaios, etc. com o objectivo de acrescentar algo às vossas vidas: 

"A construção da vida encontra-se, actualmente, mais em poder dos factos do que das convicções"
(Walter Benjamin)